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A obrigação de nos enquadrarmos num modelo aflige e frustra a grande maioria de nós. Poucos conseguem ser originais: calçamos o mesmo tênis, vestimos roupa de um mesmo tamanho, usamos o mesmo cabelo, sorrimos com os mesmos dentes, temos o mesmo ar desanimado ou delirante – porque nos drogamos seja como for para agüentar.
E se nossa cabeça for um pouco mais alta, nosso corpo mais pesado, nosso desejo fugir à regra, se formos negros ou amarelos ou brancos, gordos ou magros demais, seremos quase inevitavelmente apontados: preconceito é o nome dessa perseguição.
Religiões continuam ensinando que ser homossexual é doença ou anormalidade; usar camisinha é pecado, e evitar filho é pecado também.
Nossa atitude em relação a certos preconceitos é contraproducente, como no preconceito racial. Leis que favorecem determinadas raças, por exemplo, estimulam ainda mais a diferença, o que na minha opinião ocorre com cotas especiais para afrodescendentes em escolas e universidades. Por que criar cotas para estudantes negros nas universidades, e não para japoneses ou árabes?
Culpabilizar uma raça e vitimizar a outra não ajuda a ninguém: promover o ódio racial, assim como palavras irracionais podem promover ódio de classes. E se a idéia for baseada em dívida e suposta culpa, temos dívidas também com os colonizadores brancos, poloneses, italianos, alemães, chamados para cultivar nossas terras...
O preconceito moral por sua vez age às avessas: há talvez vinte, trinta anos, as meninas precocemente sexualizadas eram consideradas indecentes, pais pediam às filhas que se afastassem delas. Hoje jovenzinhos e quase criança sofrem uma tremenda pressão para se envolverem com atividades sexuais ou que beiram isso. Meninos e sobretudo meninas até onze, doze anos, que não tenham tido nenhuma experiência mais íntima, como beijar na boca, são considerados atrasados e sem graça por parte da sua turma.
Nas festas, mulheres parecendo todas sem idade, mesma roupa, mesmo sorriso, mesma postura diante do fotógrafo, homens espreitando desconfiados esses protótipos feitos e dispostos em série: mesma medida, mesmo cabelo, mesmo sorriso artificial e mesmo olhar ansioso: estou linda, sou desejável?
Quando somos muito jovens a pressão do grupo social é mais forte do que a família. Mais tarde continua intensa, pois queremos ser adultos bem-sucedidos, admirados, quem sabe invejados. Difícil descobrir e construir uma personalidade própria, com autonomia possível que será completada no curso da vida, com independência financeira, escolhas pessoais e profissionais, e amadurecimento.
Lya Luft (Livro: Múltiplas escolhas)